quinta-feira, 26 de julho de 2012

Ele vai a todo happy hour, é companheiro de cafezinho e ouve você reclamar do salário. Não confie tanto nesse colega de firma - é 4 vezes mais comum encontrar psicopatas nas empresas do que na população em geral.

Revista Superinteressante - por Mauricio Horta

Luana conseguiu o emprego com que sem­pre sonhou. Era em uma empresa farmacêu­tica conhecida por seu ambiente competiti­vo mas também por bons salários e chances de crescer profissionalmente. Nova no escritório, logo ficou amiga de Carlos, um sujeito atencioso de quem recebeu até umas cantadas. Em poucos meses, apareceu a oportunidade de Luana liderar seu grupo na empresa. Parecia bom demais não fosse uma inquietação ética. Ela descon­fiava que a companhia garantia a venda de seus pro­dutos graças a subornos a médicos. Isso incomodava tanto Luana que, durante um intervalo para um lan­che, ela desabafou com o amigo Carlos. Ele também parecia indignado com a situação. Seria uma con­versa normal entre colegas de trabalho - se Carlos não tivesse se aproveitado. Em um momento de dis­tração de Luana, ele pegou o celular da colega e ligou para o chefe de ambos. Caiu na secretária eletrônica, que gravou toda a conversa seguinte entre Carlos e Luana. A moça, grampeada, chegou a questionar se o chefe poderia ter algo a ver com os subornos. Aca­bou demitida por justa causa. Carlos tomou o lugar de líder que seria dela.

A história é real (os nomes foram trocados). E esse Carlos, um cretino, não? Na verdade é pior: ele age exatamente como um psicopata. Há 69 milhões de psicopatas no mundo, o que dá 1 % da população em geral. Então, no fim da história, Carlos faz picadinho de Luana, certo? Errado. Sim, há muitos psicopatas violentos, como Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes ou Pedrinho Matador, que afirmava ter assassinado mais de 100 pessoas. Por isso a cadeia é um dos dois lugares em que se encontram muitos psicopatas. Eles são 20% da população carcerária e 86,5% dos serial killers. Mas um psicopata não ne­cessariamente vira assassino. Na verdade, ele vai atrás daquilo que lhe dá prazer. Pode ser dinheiro, status, poder. É por isso que outro lugar fértil em psicopatas, além da cadeia, é a firma.

Pode ser uma empresa pequena, como a loja de sapatos da esquina. Pode ser uma fundação, uma es­cola. O importante é que o psicopata enxergue ali a chance de controlar um grupo de pessoas para conseguir o que quer. Mas poucos lugares dão tanta oportunidade para isso do que uma grande companhia. " Psicopatas são atraidos por empregos com ritmo acelerado e muitos estímulos, com regras facilmente manipuláveis", diz o psicólogo Paul Babiak, especialista em comportamento no trabalho. Até 3,9% dos executivos de empresas podem ser psicopatas, segundo uma pesquisa feita em companhias americanas. Uma taxa de psicopatia 4 vezes maior que na população em geral. Eles não matam os colegas, mas usam o cargo para barbarizar. Cancelam férias dos subordinados, obrigam todo mundo a trabalhar de madrugada, assediam a secretária, demitem sem dó nem piedade. Isso quando não cometem crimes de verdade. Um terço das companhias sofre fraudes significativas a cada ano de acordo com uma pesquisa de 2009 realizada pela consulto­ria PriceWaterhouseCoopers, que analisou 3 037 companhias em 54 países. Por causa dessas mutretas, cada uma perde, em média, US$1,2 mi­lhão por ano. Muitos desses golpes podem ser obra de psi­copatas corporativos.

"Eles são capazes de apu­nhalar empregados e clientes pelas costas, contar mentiras premeditadas, arruinar cole­gas poderosos, fraudar a con­tabilidade e eliminar provas para conseguir o que que­rem", diz Martha Stout, psi­quiatra da Escola Médica de Harvard por 25 anos e autora do livro Meu Vizinho É um Psicopata. E fazem isso na cara dura, como se não esti­vessem nem aí para o sofri­mento alheio. É que, na ver­dade, eles não estão ligando nem um pouco mesmo. Como os colegas mais violentos, os psicopatas de colarinho branco não pensam no bem-estar dos ou­tros nem sentem culpa quando pisam na bola. Por isso passam por cima de regras, estejam elas forma­lizadas em leis ou somente estabelecidas pela ética e pelo senso comum. Acontece que o cérebro deles é diferente de um cérebro normal. No caso do psi­copata, a atividade é maior nas áreas ligadas à razão do que nas ligadas à emoção, o que o faz manter-se impassível diante de tragédias - seja um gatinho em apuros, seja uma chacina em um orfanato. Co­mo não consegue se colocar no lugar dos outros, o psico­pata usa e abusa dos amigos ­ puxa o tapete dos colegas sem se preocupar com código de conduta corporativo ou con­sequência na vida alheia.

• Pega na mentira Graduação em universidade concorrida. Pós-graduação no exterior. Livros publica­dos. "Empregadores sabem que 15 % ou mais dos currículos enviados para cargos exe­cutivos contêm distorções ou mentiras deslavadas", afirma Babiak. "Psicopatas fazem isso. Podem fabricar um his­tórico feito sob medida para as exigências do trabalho e bancá-lo com referências fal­sas, portfólio plagiado e jar­gão apropriado." Claro, com algumas perguntas específi­cas um entrevistador é capaz de desmascarar candidatos mentirosos.

O problema é que um psicopata tem tudo para deitar e rolar em uma entre­vista de emprego. Muitas vezes o entrevista­dor não está tão preocupado com o conhecimento técnico do candidato. Quer mais é sa­ber se ele é capaz de tomar decisões, relacionar-se com pessoas, motivar equipes. "A 'química' entre candidato e avaliador tem muita impor­tância", diz o psicólogo. E aí um psicopata conta com um trunfo maior do que qualquer MBA: tranquilidade. Ele não vai passar horas em frente ao espelho decidindo a melhor roupa para a entrevista. Nem vai sentir as mãos suarem por medo da conversa. Um psico­pata terá a segurança neces­sária para engabelar o avalia­dor, usando alguns termos técnicos, um punhado de his­tórias de competência no tra­balho e um sorriso aberto que dirão em conjunto: "Sou a pessoa certa para a vaga".

O segredo desse charme todo está em saber "ler" as pessoas. Psicopatas podem não ter emoções, mas conseguem analisar muito bem como e por que as outras pessoas se emocio­nam. São estudiosos da natureza humana, prontos a usar o que aprenderam para o próprio interesse. Descobrem os hábitos e gostos dos colegas, se apro­ximam, criam um vínculo aparente. Assim conse­guem convencer a colega de coração mole a fazer o trabalho por eles no fim de semana. Ou extrair in­formações sigilosas da secretária do presidente. Ou botar a culpa nos outros pelos problemas que apa­recem. Aquela concorrente obstinada e perfeccio­nista conseguiu se promover trabalhando até as ma­drugadas?

Ela não ia gostar de ouvir que é uma folgada e só conseguiu aumento se engraçando com o chefe. Bingo: basta espalhar essa história por aí para atingi -la. Desequilibrada pelo fuxico, ela pode­ ria se tornar em breve um obstáculo a menos. Atitudes assim passam despercebidas em empre­sas que estimulam a competição entre os funcioná­rios. Se a companhia está obcecada pelos resultados que cada empregado gera, é possível que não preste tanta atenção ao cumprimento da ética no ambiente de trabalho. Movida a competitividade, a empresa americana de energia Enron foi do estrelato ao fun­do do poço por causa de fraudes cometidas por exe­cutivos do mais alto escalão. A empresa começou o ano de 2001 como uma gigante, com faturamento de US$ 100,8 bilhões.

Seus empregados sabiam que precisavam trabalhar como loucos. Todo semestre, um ranking interno nomeava os 5% melhores funcionários. Em seguida vinham os 30% excelentes, os 30% fortes, os 20% satisfatórios e, por último, os 15% que "precisavam melhorar". Se não melhoras­sem até a próxima avaliação, eram mandados para o olho da rua. E quem avaliava as pessoas? Os pró­prios colegas. O sistema parecia impulsionar a pro­dutividade. Até que descobriram que a competição impulsionava mesmo eram falcatruas para garantir uma boa posição interna. No fim de 2001, fraudes que somavam US$ 13 bilhões engoliram a empresa. A En­ron faliu.

"Algumas compa­nhias competitivas contra­tam pessoas tão agressivas e ambiciosas que acabam dei­xando para trás questões importantes do mundo da mo­ral", afirma Roberto Heloani, psicólogo social e professor de gestão da FGV de São Paulo e da Unicamp. Ainda que a companhia ofe­reça um ambiente propício à trairagem, o psicopata preci­sa procurar a hora certa para agir. Vítima de Carlos, Luana teve seu momento de fraque­za - bobeou, dançou. Empre­sas também têm seus momen­tos de fraqueza. Quando uma companhia compra um con­corrente, seu caixa fica po­brinho, vazio. Muito dinheiro saiu de lá, e os acionistas estão ansiosos para saber quando o gasto dará retorno. O que al­gumas fazem, então? Procu­ram alguém capaz de pro­duzir um milagre e encher o cofre de novo rapidinho.

É aí que o psicopata se apresenta como o melhor gestor. Cla­ro que é mentira - ele apenas tem maior capacidade de manipular sua imagem e vender ilusões. "Sem tempo para fa­zer uma análise minuciosa, as empresas compram essa ima­gem", diz Heloani. Outra chance de dar o bote: crise na firma. Essa é a hora, geralmente, em que é preciso cortar gastos. E os chefes são pressionados a ser agressi vos. Cortar despesas em 20%, 30% não é fácil. Quer dizer, se você for frio, não tiver medo das consequências nem se importar com os sentimentos alheios, até fica moleza. Co­loque comida vencida no re­feitório da firma para alimen­tar os funcionários. Fraude a contabilidade e entregue re­latórios que escondam gastos e aumentem a receita - e o problema fica resolvido ape­nas com uma canetada.

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